Como os jogos deixaram de ser produtos para se tornarem serviços?

Como os jogos deixaram de ser produtos para se tornarem serviços?

 

A transformação do ecossistema gamer impulsionada por tecnologia, lucro recorrente e preservação digital

Nas últimas semanas, o movimento Stop Killing Games ganhou destaque na Europa ao superar 1 milhão de assinaturas, exigindo que jogos baseados em servidores permaneçam jogáveis mesmo após o encerramento oficial. A campanha, liderada por Ross Scott, critica o hábito das empresas de simplesmente “matar” jogos quando os servidores saem do ar, deixando os jogadores sem acesso, mesmo após a compra.

 

De produtos a serviços

Nas décadas de 1990 e início dos anos 2000, os jogos eram comercializados como produtos: comprava-se um CD ou cartucho, e era possível jogar offline indefinidamente. Com o advento da internet e dos modos multiplayer, surgiram plataformas de conexão—como Battle.net em 1996—e a necessidade de manter servidores vivos para sustentar o modo online.

Com isso, cresceu o modelo híbrido: jogos vendidos como produtos, mas sustentados por serviços continuados, via DLCs, microtransações e atualizações. Entretanto, esse modelo torna os jogos vulneráveis: sem acesso aos servidores, muitos títulos se tornam totalmente inutilizáveis .

 

Escassez e modelo de negócios

Quando eram produtos, podia-se comprar um jogo e, depois do término, partir para o próximo. Expansões eram vendidas, como na Paradox ou no modelo clássico de MMOs. O lucro vinha da venda de objetos tangíveis. Hoje, o foco mudou para aquisição contínua de jogadores conectados, monetizados por tempo de uso e recorrência, o que favorece jogos “plataforma”, como Fortnite, Call of Duty: Warzone e GTA Online.

O valor de um jogo agora está no número de jogadores ativos, não no número de cópias vendidas. O resultado? Orçamentos cada vez maiores e riscos financeiros exponenciais. Lançamentos multimilionários (como MindsEye, Splitgate 2, Marathon, FBC: Firebreak) caíram em junho e receberam críticas pesadas, reembolsos massivos e prejuízos significativos .

 

O impacto do modelo plataforma

Minecraft foi um dos primeiros a transitar de jogo para plataforma criativa, com suporte a mods e criação gerada pelos usuários. Roblox consolidou o conceito: uma plataforma central que hospeda infinitas experiências. Isso convenceu novos jogadores de que jogos como peças isoladas são cada vez menos relevantes. A fórmula se espalhou: Fortnite ou GTA Online vivem de uma plataforma que lança conteúdo constantemente, enquanto jogos tradicionais sofrem para competir.

 

O dilema atual

Jogadores seguem engajados em títulos como Roblox e plataformas middleware, mas lançamentos pontuais enfrentam maior pressão. Death Stranding 2, por exemplo, vendeu menos que o indie Clair Obscur nos primeiros três dias, mesmo este estando disponível gratuitamente no Game Pass no lançamento . Investir em um lançamento único passa a ser menos atraente do ponto de vista dos investidores, que preferem apostar em modelos plataforma.

 

Stop Killing Games: reação ao modelo

A mobilização Stop Killing Games exige que empresas forneçam “planos de fim de vida” para jogos online, garantindo modos offline, código para servidores privados ou alternativas similares. O movimento já ultrapassou 1,25 milhão de assinaturas e segue rumo a 1,4 milhão até o fim de julho, visando influenciar uma legislação da União Europeia .

Por outro lado, a associação Video Games Europe argumenta que impor tais exigências poderia elevar os custos de desenvolvimento “a níveis proibitivos” e comprometer a viabilidade econômica das studios.

 

Para onde vamos?

A partir de junho de 2025, a indústria parece ter cruzado um Rubicão, apostando em orçamentos gigantescos e modelos de serviço contínuo—com o risco de cancelamentos abruptos e prejuízos massivos. Se a legislação europeia obrigar planos de preservação no fim da vida de um jogo, o impacto poderá equilibrar a balança entre modelo serviço e preservação cultural e de consumo.

 

 

Da 93Notícias

Daniela Domingos

Daniela Domingos

Jornalista, professora de Filosofia, especialista em Assessoria de Comunicação e Marketing, Gestão Pública e Mídias Digitais, e mestranda em Ciências de Dados

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