Entenda o uso da inteligência artificial nas campanhas políticas de 2024
Com a chegada do período eleitoral e do avanço da internet, as plataformas digitais se transformam cada vez mais na maneira como os candidatos se conectam com os eleitores
Confira na íntegra o artigo do promotor de justiça, professor e especialista em direito eleitoral, Peterson Almeida Barbosa.
Não é de hoje, tem-se observado campanhas cada vez mais digitais. Desde o advento da internet e das redes sociais, os meios de comunicação tradicionais – rádio, TV e jornais – foram ultrapassados, perdendo o protagonismo de outrora para aquela que, progressivamente, se tornou a ferramenta mais utilizada na comunicação política, especialmente num país como o nosso, que tem 1,2 smartphone por habitante, a gerar uma verdadeira cacofonia nesta sociedade cada dia mais atomizada.
As disputas políticas atuais se guiam por dados e gráficos, tendo as plataformas sociais se afirmado, concomitantemente, como a nova praça pública – a Ágora moderna – povoada pelos novos controladores dos processos cumulativos, afinal, um post, sem dúvidas, tem hoje muito mais impacto do que um panfleto ou uma participação no já desbotado horário eleitoral gratuito … sobretudo no Brasil, cuja maioria da população utiliza a internet como o meio primordial de informação, com ênfase aos aplicativos de mensageria privada, singularmente o whatsapp.
Neste menu de usos positivos das ferramentas em questão, os riscos eminentes são reais e iminentes, com diferentes dimensões e impactos, alguns não podendo ser neutralizados. Neste horizonte, práticas ilícitas têm afetado a normalidade dos pleitos, a igualdade entre os players e mesmo a liberdade do sufrágio.
Refiro-me às fake news e à sua mais novel e ainda mais destruidora versão, as deep fakes, um dos frutos do uso malicioso das aplicações de inteligência artificial, fenômeno percebido a nível mundial, bastando que demos um zoom na propaganda política realizada nas recentes eleições americanas e argentinas.
Destarte, cioso de que o mundo estará de olho no pleito de outubro próximo, fez por bem o nosso Egrégio Tribunal Superior Eleitoral em editar a Resolução 23.732/24; inovadora, de ponta, com sentido de alerta sem ser alarmista, preservando nosso modelo constitucional de proteção das eleições contra a desordem informacional que possa atentar contra a nossa democracia, cada vez mais hiperconectada.
Em meio a aplicativos de produção de texto, fotos e vídeos de fácil acesso e com resultado bastante realístico, a preocupação com a habilidade do eleitorado de distinguir o que é real e o que é fabricado não é fictícia.
Todavia, contrariamente ao que se possa ter divulgado num primeiro momento, a inteligência artificial não está precita da propaganda política. O uso de conteúdo sintético para criar, mesclar, alterar velocidade ou sobrepor imagens ou sons é permitido, desde que devidamente identificado.
Afora isto, melhorias na qualidade das imagens, montagens em fotos, filtros no instagram, dentre outros recursos, podem ser indistintamente utilizados. Igualmente, chatbots e avatares estão liberados para o propósito de uma comunicação com o eleitorado, desde que, no início da interação, seja afixada advertência de que não se está falando com uma pessoa de verdade.
Outrossim, o uso deste conteúdo sintético em formato de aúdio, vídeo ou a combinação destes, gerados ou manipulados digitalmente, não pode servir para criar, substituir ou alterar imagem ou voz de pessoa viva, falecida ou fictícia, recurso que se tornou bastante conhecido do grande público a partir de comercial televisivo da VW no qual a saudosa Elis Regina reapareceu fazendo um dueto com a talentosa filha Maria Rita.
Estes e outros recursos de voz, imagem ou vídeo, criados artificialmente para potencializar a própria propaganda ou criticar adversários, estão banidos, por força da mencionada Resolução, a qual buscou conter o uso da inteligência artificial generativa nesta e nas próximas eleições.
O Direito Eleitoral não ficou, por conseguinte, abstraído às modernizações ou aluado aos novos axiomas. Ainda que a fórceps, buscou educar tecnologicamente os eleitores, inovou ao atribuir responsabilidade solidária aos provedores de aplicação de internet para promoverem a indisponibilização imediata de conteúdos e contas que oportunizem condutas, informações e atos antidemocráticos ou que divulguem ou compartilhem fatos notoriamente inverídicos ou fabricados com o uso da inteligência artificial sem a imprescindível rotulagem. Além disto, responsabilizou os candidatos, ao vaticinar que o abuso na utilização deste meio de comunicação social poderá redundar na cassação do registo ou do mandato (se já eleito), além da inelegibilidade e das consequências criminais (art. 323, & 1º do Código Eleitoral).
Do A8/Lagarto