Empreendedorismo jovem vem se destacando cada vez mais no Brasil
Quem vê o jovem André Felizola, garoto franzino e sem barba na foto tirada em 2014, em sua primeira empresa, talvez demore um pouco para perceber que trata-se do mesmo que hoje caminha pelos corredores da própria fábrica. André entendeu cedo que nasceu para empreender. Aos 20 anos, o jovem largou os estudos no Rio de Janeiro para viver daquilo que acreditava. Voltou para Sergipe e fundou uma agência de viagens.
A empresa foi bem e o tino para os negócios ficou cada vez mais afiado. Dois anos depois, lançou uma produtora de eventos e, em 2018, veio seu empreendimento de mais sucesso: abriu uma cervejaria artesanal, considerada a maior do estado de Sergipe.
“Eu inicialmente ia produzir bobinas de resina plástica para fazer sacola, e acabei na cerveja. Umas das coisas que mais me chamou atenção na indústria é o fato de você ter um limite geográfico muito mais extenso. Você produzir algo aqui e vender para o Brasil todo”, frisa André.
A cervejaria não só é a maior de Sergipe como também figura entre as maiores do nordeste. 30 mil litros da bebida são produzidos por mês na fábrica e, recentemente, foi eleita a melhor cerveja do Brasil em uma copa do segmento realizada no México. A marca conta com um case de mais de 30 produtos e uma carta de clientes fiéis no atacado e no varejo.
“O chopp é um um produto que eu já consumo há muito tempo. É um dos meus favoritos porque harmoniza muito bem com petiscos, com carnes e tem a vantagem de levar para casa”, disse o empresário e cliente Hugo Alves.
O publicicário Marcelo Veloso também é cliente de André e ressalta a importância de valorizar o que é produzido regionalmente. “Ter um produto de qualidade da nossa cidade faz total diferença e a gente que gosta tem que aproveitar o que é da terra”.
André vem de uma família de empreendedores mas, por incrível que pareça, no início seus pais não queriam que ele se tornasse empresário. Sempre era incentivado a continuar estudando e seguir a carreira para a qual se formasse. O jovem era um bom aluno, mas deixou o curso de Engenharia de Produção na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) pela metade e apostou no sonho. Batalhou muito para que desse certo. Tudo foi construído com financiamento bancário, mas, para fazer dar certo não basta ter vontade, é preciso entender da área em que se quer atuar. E o jovem empresário foi em busca disso, fez cursos e se especializou no segmento.
“Por mais que a gente contrate o melhor cervejeiro do mercado, como é que eu ia saber se ele realmente está entregando o melhor dele, se ele realmente está fazendo por onde termos o melhor produto possível? Então, é essencial você ter noção da sua operação principal”, enfatizou o empresário.
De acordo com o Monitor Global do Empreendedorismo, de 2009 a 2019, o número de empreendedores com menos de 24 anos dobrou no país. Até o final do ano passado, pelo menos oito milhões de jovens brasileiros nessa faixa etária estavam à frente de algum tipo de negócio. O número é o maior da história. Na prática, o que se vê é que não existe uma idade certa para empreender. De acordo com a Analista Técnica do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), Débora Mendonça, o que se deve buscar é a maturidade empresarial.
“Ele precisa estar maduro, decidido sobre aquilo que ele quer, mas é importante que ele desenvolva primeiro essas características e esses comportamentos empreendedores, porque é isso que vai dar sustentabilidade ao negócio dele”, pondera.
O jovem empreendedor tem muito a contribuir com o mercado. Há uma ideia de que a juventude está necessariamente ligada à inovação, e para o mercado essa afirmação não está errada, mas é necessário ter em mente que é possível inovar em sua própria comunidade sem necessariamente romper com atividades mais tradicionais.
“É muito importante que ele conheça a si mesmo, conheça a realidade do local onde está inserido, e possa prospectar algo para sua vida, um futuro breve, como um contribuinte da sociedade, como um cidadão que vai colaborar com a economia, porque ele vai estar inserido no mundo do trabalho”, finaliza.
Uma pesquisa da DataHub, plataforma de análise de dados, apontou que, em 2022, o Brasil chegou a 2.328 microempreendedores individuais com menos de 18 anos, o que é possível desde que o jovem seja emancipado e os números apontam para uma tendência de crescimento.
Ainda em 2022, mais precisamente no primeiro semestre, foram abertos 1.173 MEIs por empreendedores dessa faixa etária. Uma diferença de 226,7%, já que no mesmo período do ano anterior, foram 359 aberturas.
Está mais do que claro que o empreendedorismo é algo que se aprende desde cedo. Por isso, o Sebrae possui o programa de educação empreendedora e promove outros tipos de ações de incentivo, como o desafio liga jovem, competição que estimulou a construção do projeto encabeçado por Mariana Menezes. A garota de 17 anos, aluna do Sesi, ao lado de outros colegas, desenvolveu a ideia do “Conexão Artesã”, uma plataforma on-line para a comercialização de produtos artesanais.
“Foi uma questão escolar porque foi um convite do professor participar desse projeto, e diante de várias brainstormings, escolhemos vários assuntos, jogamos na mesa, e um dos nossos escolhidos foi sobre o artesanato, que em particular, tenho familiares que participam desse cunho. É um assunto muito interessante e também porque a gente sabia que ia ser um assunto pouco tocado no projeto do Sebrae, que é muito valorizado no Brasil. É muito importante a gente valorizar a cultura e as coisas que são feitas manualmente”, diz a estudante.
A ideia estava entre outras 1236 e acabou ficando no ranking das 20 melhores do país, e talvez tudo isso só tenha se tornado possível porque o artesanato é algo que faz o coração dela bater mais forte. A jovem vem de uma família de artesãos, o que inclui a própria mãe. Desde cedo mostrou-se encantada por todas as peças que eram produzidas.
“O artesanato para mim é algo maravilhoso, é algo extremamente apreciativo. Inclusive o nosso lema no Conexão Artesão é ‘O artesanato não tem preço, tem valor’. Por que isso? É algo que você pode conseguir exprimir. O artesanato exprime seus sentimentos. Aquilo que você pensa, você consegue colocar em prática. Você consegue colocar seus sentimentos à vista do público”, afirma.
Dona Marta, também é professora, mas não abandona o artesanato. Hoje, vislumbra no projeto da filha a oportunidade de fazer com que suas peças alcancem mais pessoas. Orgulho não falta.
“O importante é que ela faz com amor. O que me deixa mais feliz ainda é que tudo que ela faz, seja um crochê ou uma lembrancinha, vem dela. Eu fico muito feliz porque ela abraça isso. Ela gosta realmente e isso me dá muito orgulho”, disse emocionada.
Quando o assunto é empreender, não faltam bons exemplos. Hoje, aos 29 anos, André, que conhecemos no início desta reportagem, além da cervejaria, também mantém a produtora de eventos que lançou dois anos antes, administra um outro restaurante com o pai e recentemente inaugurou uma boate. São mais de 60 empregos diretos gerados. Haja fôlego para tocar todos estes negócios, mas se engana quem pensa que ele se sente cansado ou algo assim. Pelo contrário: nunca esteve melhor. Para ele, a missão que escolheu nunca será um fardo.
“O empreendedor é a faísca inicial, é o que desencadeia o restante e monitora para que aquilo aconteça da forma como ele pensou tudo aquilo. É recompensador demais ver o público elogiando seu trabalho mesmo sem te conhecer”.
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Ficha técnica
- Reportagem: Lucas Moura
- Produção: Manuelly Santos e Pedro Nascimento
- Edição de áudio: Eric Almeida
- Imagens: Lucas Moura e arquivo pessoal
Do A8/Lagarto